sábado, 27 de fevereiro de 2010

Maya Angelou

AINDA ASSIM, EU ME LEVANTO

Você pode me riscar da História
Com mentiras lançadas ao ar.
Pode me jogar contra o chão de terra,
Mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar.

Minha presença o incomoda?
Por que meu brilho o intimida?
Porque eu caminho como quem possui
Riquezas dignas do grego Midas.

Como a lua e como o sol no céu,
Com a certeza da onda no mar,
Como a esperança emergindo na desgraça,
Assim eu vou me levantar.

Você não queria me ver quebrada?
Cabeça curvada e olhos para o chão?
Ombros caídos como as lágrimas,
Minha alma enfraquecida pela solidão?

Meu orgulho o ofende?
Tenho certeza que sim
Porque eu rio como quem possui
Ouros escondidos em mim.

Pode me atirar palavras afiadas,
Dilacerar-me com seu olhar,
Você pode me matar em nome do ódio,
Mas ainda assim, como o ar, eu vou me levantar.

Minha sensualidade incomoda?
Será que você se pergunta
Porquê eu danço como se tivesse
Um diamante onde as coxas se juntam?

Da favela, da humilhação imposta pela cor
Eu me levanto
De um passado enraizado na dor
Eu me levanto
Sou um oceano negro, profundo na fé,
Crescendo e expandindo-se como a maré.

Deixando para trás noites de terror e atrocidade
Eu me levanto
Em direção a um novo dia de intensa claridade
Eu me levanto
Trazendo comigo o dom de meus antepassados,
Eu carrego o sonho e a esperança do homem escravizado.
E assim, eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Jorge de Sena

Diz-me devagar coisa nenhuma, assim
como a só presença com que me perdoas
esta fidelidade ao meu destino.
Quanto assim não digas é por mim
que o dizes. E os destinos vivem-se
como outra vida. Ou como solidão.
E quem lá entra? E quem lá pode estar
mais que o momento de estar só consigo?
Diz-me assim devagar coisa nenhuma:
o que à morte se diria, se ela ouvisse,
ou se diria aos mortos se voltassem.

Carpe Diem

Confias no incerto amanhã? Entregas
às sombras do acaso a resposta inadiável?
Aceitas que a diurna inquietação da alma
substitua o riso claro de um corpo
que te exige o prazer? Fogem-te, por entre os dedos,
os instantes; e nos lábios dessa que amaste
morre um fim de frase, deixando a dúvida
definitiva. Um nome inútil persegue a tua memória,
para que o roubes ao sono dos sentidos. Porém,
nenhum rosto lhe dá a forma que desejarias;
e abraças a própria figura do vazio. Então,
por que esperas para sair ao encontro da vida,
do sopro quente da primavera, das margens
visíveis do humano? "Não", dizes, "nada me obrigará
à renúncia de mim próprio --- nem esse olhar
que me oferece o leito profundo da sua imagem!"
Louco, ignora que o destino, por vezes,
se confunde com a brevidade do verso.

Nuno Judice

sábado, 20 de fevereiro de 2010

ramos rosa

Se as minhas lágrimas e os meus dentes calam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol

A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Luiza Neto Jorge

O poema ensina a cair
sobre os vários solos
desde perder o chão repentino sob os pés
como se perde os sentidos numa
queda de amor, ao encontro
do cabo onde a terra abate e
a fecunda ausência excede

até à queda vinda
da lenta volúpia de cair,
quando a face atinge o solo
numa curva delgada subtil
uma vénia a ninguém de especial
ou especialmente a nós uma homenagem
póstuma

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

VEM SENTAR-TE COMIGO, LÍDIA

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço


Ricardo Reis

domingo, 7 de fevereiro de 2010

"Jose Dantas" imortalizada pelo Ivon Cury e Elba Ramalho

FARINHADA
Tava na peneira, eu tava peneirando
Eu tava num namoro, eu tava namorando
(Bis)

Na farinhada, lá da Serra do Teixeira
Namorei uma cabôca, nunca vi tão feiticeira
A mininada descascava macaxeira
Zé Migué no caititú e eu e ela na peneira

Tava na peneira, eu tava peneirando
Eu tava num namoro, eu tava namorando
(Bis)

O vento dava, sacudia a cabilêra
Levantava a saia dela no balanço da peneira
Fechei os óio e o vento foi soprando
Quando deu um ridimuinho sem querer tava espiando

Tava na peneira, eu tava peneirando
Eu tava num namoro, eu tava namorando
(Bis)

De madrugada nós fiquemos ali sozinho
O pai dela soube disso deu de perna no caminho
Chegando lá até riu da brincadeira
Nós estava namorando, eu e ela na peneira

Tava na peneira, eu tava peneirando
Eu tava num namoro, eu tava namorando
(Bis)

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Angelo Paraíso Martins

Se o dia é de sol,

Se o vento é de leste,

Que aurora, que festa,

Que bom viajar!

Mas chega o inverno

Gemidos e queixas

Sofridas canções

Se ouvem no mar!



Por isso é preciso

Saber viajar

Formando comboios

De velas unidas

Que enfrentem a tormenta

A guerra do mar,

E a um porto seguro

Garantam chegar!

Um porto de paz

De luz e de amor

Que cheguem pra todos,

Sem preço, sem dores,

Assim como chegam

Os beijos do sol

E o perfume das flores!...

Pra isto, é preciso,

Com velas unidas,

Saber velejar!...