domingo, 18 de abril de 2010

Mário Césariny

Entre nós e as palavras há metal fundente

entre nós e as palavras há hélices que andam

e podem dar-nos morte

violar-nos

tirar

do mais fundo de nós o mais útil segredo

entre nós e as palavras há perfis ardentes

espaços cheios de gente de costas

altas flores venenosas

portas por abrir

e escadas e ponteiros e crianças sentadas

à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos

há palavras de vida há palavras de morte

há palavras imensas, que esperam por nós

e outras, frágeis, que deixaram de esperar

há palavras acesas como barcos

e há palavras homens, palavras que guardam

o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,

as mãos e as paredes de Elsenor

E há palavras nocturnas palavras gemidos

palavras que nos sobem ilegíveis à boca

palavras diamantes palavras nunca escritas

palavras impossíveis de escrever

por não termos connosco cordas de violinos

nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar

e os braços dos amantes escrevem muito alto

muito além do azul onde oxidados morrem

palavras maternais só sombra só soluço

só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados

e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

sábado, 10 de abril de 2010

Miguel Sousa Tavares

De novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram.



Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre.

Miguel Torga

Recomeça....
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
"Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.."